quinta-feira, 20 de novembro de 2008

CAPíTULO I

Eram dois parados perto da porta e um que não se via, mas eu tinha certeza que devia estar dentro de um opala dourado escuro que refletiu no espelho do estande de óculos assim que estacionou na frente da loja. Foi aí que o mais carrancudo dos dois compreendeu sua deixa e entrou. O que ficou do lado de fora acendeu um charuto fedido e teve um ataque de riso por algum motivo que não consegui enxergar, mas se a vaga idéia do que poderia ser, passasse por mim... eu certamente pediria a benção a ela e sairia correndo depois.

Só a atmosfera da tarde poderia ter desabado aquelas vitrinas... E Tava quente pra caralho! A coreana havia entrado pra buscar meus casadinhos que só tinham no estoque. Agora éramos eu, o carrancudo do lado de dentro, o Pai-de-Santo do lado de fora, e pra minha surpresa, não mais o opala dourado escuro. Nele entraram duas crianças acompanhadas de uma babá, e assim que a porta bateu ele virou a direita na esquina.
Perdi tempo demais com as crianças e a babá e quando dei por mim. As vitrinas já tinham desabado.

Primeiro as da frente da loja, quebrando em cânone e subdivdindo-se em partes menores ao tocarem o chão. Depois o vidro da porta. O charuto que ele trajava como um bebê traja sua chupeta, diminuia em sua bocarra completamente feliz enquanto seu pé-de-cabra cantava fúria e rasgava vento. Os casadinhos desquitaram-se todos sem que ao menos a coreana os houvesse saboreado. O sujeito atravessa os cacos e se junta ao outro. Eu sento e os analizo pensando na cara da morte.

Era a primeira vez, que diante daquela situação, eu conseguia ouvir algo além de ordens grosseiras. Havia também um piano, tocando num tom festivo o que eu acreditei ser minha marcha fúnebre, até que o pé esquerdo do homem com a barba desgrenhada pisou em meu joelho. Colando o rosto ao meu rosto ele falou com pigarro na garganta:

-Quer me por doente alienígena?

Um gosto de Teriaki salgava minha consciência. Notei que além de se vestirem com a mesma elegancia excêntrica ambos faziam tratamento contra suas manchas senís.Agora o Pai-de-Santo encontrava seu êxtase depredando manequins com olhos vazios. Ambos agiam como cães mas apenas um deles se chamava assim, e foi o cão que me chutou os bagos.
E berrou - Você se acha sortudo alienígena?

O piano cantava delírios agora e somente em notas sustenidas. Rezei para que nenhum dos dois mencionasse o quarto Mazurka. Quanto mais eu teria de aguentar?
Dois, três minutos? Esse costumava ser o tempo, que nos "bons tempos", a esquadra STADEN levava pra chegar...

Novo chute nos bagos, agora o do pé no joelho virou o do pé nas costas até que a minha cabeça começasse a se acomodar forçosamente contra o piso de mármore velho da coreana, e por baixo das duas prateleiras que me dividiam da rua, vi as rodas inconfundíveis de um opala, a luz solar refletida em dourado escuro enquanto girava acompanhando o cavalo-de-pau, explodindo em cada caquinho de vitrina no chão, tomou conta de todas as visões menos a minha. As crianças metralhavam de dentro do carro sorrindo, A babá não estava mais, mas o motorista agora podia ser visto e parecia estar alheio a tudo, apenas cumprindo ordens.

Com a minha mania de perder tempo com coisas que não interessam, perdi a cena da perfuração dos dois Idiotas que pensavam em me torturar.

Vem logo seu débil! - Uma criança gritou.

Fui na direção do carro esquecendo o quanto estava machucado e isso me rendeu uma capotada sobre uma estante cheia de biscoitos. Nenhum casadinho. Pra não perder a viagem olhei pra trás pra me afirmar mais uma vez do que acontece com quem mexe comigo. E estavam as três peneiras, sim, a coreana fazia parte daquele show e por isso atrasou meu biscoito preferido...

Corre Porra!

E corri, corri, corri, pulei no capô do opala e me pûs no banco da frente através do video dianteiro completamente estilhaçado. Firmei meu cinto enquanto nosso piloto fazia um 180 e partia na direção Norte, como quem estivesse numa praia apreciando o horizonte.

Muito obrigado, sabia que a STADEN não demoraria...

Que mané STADEN!
Murilo...

Murilo já tinha acelerado todo o pé antes da ordem ser dada...
As crianças se seguravam no estofamento com os braços porque eram capazes de voar naquelas curvas vistosas e arriscadas. Murilo achava graça quando via pelo retrovisor.

- A STADEN explodiu. Foi pro cacete junto com todos aqueles seus amigos espalhafatosos.
- E quem são vocês?
- Somos a Revolução.

Meus olhos lacrimejavam.
As fórmulas que a STADEN havia me encomendado, os projetos de vírus hipnóticos e principalmente o peso de ter que destruir algo que com tanto cuidado eu sonhei, projetei e secretamente montei havia ido para o espaço junto com a STADEN e seus anões dementes. O meu único medo era que os novos moleques fossem ainda mais tresloucados. Mas" não havia nada a temer" como havia me explicado o pequeno de trança rasta e olhos ensaboados.

- Sabemos o quanto significa o quarto Mazurka para você. E saiba que não faz parte de nossos objetivos a destruição deste maravilhoso invento.
- Minha Nossa Senhora Aparecida, continue abençoando as crianças!
- Mas tem muita gente insatisfeita com este seu aparelho. Como por exemplo os dois que matamos.
- Vocês me oferecem algum tipo de proteção?
- Ora alenígena - A menina que até então estava calada, porque uma chupeta obstruía seu canal vocal - A STADEN foi pro espaço, as regras que existiam 5 minutos antes de você ir comprar o seu...
- Casadinho.
- Pois é, elas não existem mais, no momento em que você deu as costas, nós tomamos o mundo, e se não quiser ser apedrejado quando sairmos do carro, vista essa braçadeira fofa e finja que está contra tudo!
- Contra tudo!?
- É, é assim que somos.

Assim que me passou a braçadeira eu entendi como fofo um "R" azul claro que naquelas crianças eu não ousei em dizer, mas realmente era bem fofo.
O som do piano foi se reafinando em minha cabeça até eu descobrir que se tratava do rádio do "Sr. Simpático" que continuava a uns 180km/h com aquele sorriso de motorista de família.

- Por que vocês me resgataram, então?
- Estava na lista de afazeres do Sr... Deixe-me ver...

Dizia isso enquanto lia numa lista enorme de nomes

- Sr... Sr... Aqui... Sr...
- Vasconcelos.
- Isso.
- Aconteceu alguma coisa com o Sr. Vasconcelos?
- Gripe. ficou de cama e perdeu o carro.
- Tem mais alguém vivo?
- Hummm, Deixa eu ver..
- É...
- Acho que não.
- Não.
- É não tem não.

Onde estaria Vasconcelos? Onde estariam estes pigmeus me levando?
Cruzávamos rotas e repetíamos caminhos. Entrávamos em becos, ninhos, favelas, favelinhas e enfim, passamos por uma praia. Tudo em menos de uma hora de viagem certamente.

Continuava quente pra caralho.

-Eu e Bordaux necessitaremos dos teus serviços, alienígena. Começar uma nova esquadra é uma empreitada bastante delicada. - Bordaux faz barulho chupando a chupeta - Somente porque Vasconcelos teme que você e suas habilidades caiam em mãos erradas. - Bordaux dobra a quantidade de barulhos até a frequência quase se tornar frenética- É que nós representaremos estas mãos "erradas". Percebo que a menininha não suga sua chupeta de maneira inocente, e sim em código morse.

O vento não mas os espalha no banco de trás. Agora eles tem a firmeza maldosa de mafiosos de porte e importancia, principalmente o maquiavélico menino das tranças. Minhas sobrancelhas dóem de tão franzidas.

-Com o que digo não quero dar a entender que iremos derrubar Vasconcelos. Mas nós precisamos de aparatos tecnológicos se quisermos que nossa revolução tenha futuro e vitória. Você vê? Nós pusemos fogo em toda a STADEN com um plano improvisado, desprevinido, ou seja amador até não poder mais! Não contávamos que fosse dar certo,mas o caso foi que deu certo. A STADEN não era tão boa quanto se julgava e disso eu já sabia, por isso insiti no plano, mesmo ele não sendo lá essas coisas.
-Pare de falar mal do plano, ele deu certo ou não deu certo, cacete? Você conseguiu reclamar do plano antes, durante e depois de sua execução!
Você é a pessoa mais frustrante que eu conheço!

Murilo se vira e diz.
-Sem briga meninos.
-Desculpa Murilo .(respondem os dois em coro)


(silêncio)

-Olha o lance é o seguinte. - Bordaux em tom de confidência tirando a chupeta. - O Vasconcelos pagou caro pelo seu resgate, eu digo muito caro. Não precisamos em nossa revolução de um pirateador de merda como ele. Mas a maneira como ele descreveu o teu serviço e o preço que você lhe custou nos fizeram pensar em roubá-lo.

-E ficar com você para nós.

O garoto sorri e eu me sinto um filhote de são bernardo.

- O que eu ganho nisso?

Os três riem. Murilo já estava antes e não pareceu rir pela conversa mas por motivos próprios os quais, não me interessavam.
- Entregaremos você a Vasconcelos. Você vai matá-lo e será o dono de todo aquele laboratório. Vai morar lá, fazendo as experiências que você quiser mas sobretudo o seu querer vai ser admnistrado pelo nosso querer. O querer da Revolução!

-E aí, vai querer?

2 comentários:

Anónimo disse...

Continua? eu adorei...

Andressa Le Savoldi disse...

déchets, waste, basura...